quarta-feira, 21 de março de 2012

36- Um Pedacinho do Paraíso (Ato I)

    Certos dias você acorda simplesmente se sentindo mal. Como quando você acorda depois de uma daquelas noites de bebedeira e se sente como se um trator tivesse te atropelado. Você tem o pressentimento que não deveria levantar da cama. Pois é, eu tive um dia assim. Mas não foi uma bebedeira. Aliás, o que foi mesmo?
-Matheus! Matheus! – disse uma voz feminina
    Abri os olhos, com dificuldade. Pude ver o céu claro e uma mulher de uns 30, aproximadamente.
-Demorou a acordar!  Vejo que é um dos mais dorminhocos de nós – ela disse
-Nós? Nós quem? E onde estou? – perguntei
    Me levantei e olhei em volta. Estava num enorme campo aberto, sem nenhum sinal de civilização. Dava pra ver várias pessoas caminhando pelo campo.
-Prazer, sou Mary. E essa é a dimensão dos mortos – ela disse – Uma vez que seu coração para de bater, você vem parar aqui. Não há tecnologia, não há armas, apenas há paz
-Só uma pergunta – eu disse
-Sim?
-Quem é esse Matheus? Sou eu? Eu não... eu não sei quem eu sou
***
    Matheus Rocha. 27 anos. Vocalista e baterista da banda PsyckoManiacs. Namorado de Jessica Williams, uma feiticeira. 1 filho que ainda não nasceu. 6 amigos: Nathalia Silva, Lucas Costa, Ana Carolina, Allanis Rodrigues, Bianca Tavares, Isabela Lisboa e Karoline Santos. Essa foi a vida que deixei pra trás.  Vida que não terei mais.
***
-Uau! – eu disse, ainda confuso com a explicação de Mary
-E vá se acostumando. Você não irá para outra dimensão, essa é eterna – disse Mary – Faça amizades. Você não pode ficar solitário pela eternidade. Mas um aviso: aqui não há espaço para todos os mortos do mundo. Então, cada um possui um “estoque”, digamos assim, de vidas. 3 vidas. Uma vez que você perde essas 3, não há mais chance.
    E então, Mary sumiu. Ela esperava que eu ficasse animado com essa última parte?
    Fiquei inseguro. Eu não conhecia ninguém e nem sabia como começar. O que eu ia dizer? E se não gostassem de mim? Resolvi ver a resposta e me aproximei de um grupo de 5 homens que estavam conversando.
-O... olá. Tudo bem... com vocês? – gaguejei, inseguro
    Os 5 homens olharam para mim rapidamente e voltaram a conversar.
-Hã... Oi – tentei puxar assunto – Sou novato aqui e...
-Um calouro! Olha só! – disse um deles
-É – eu disse, ainda tímido – Eu estava pensando em fazer amizades, quem sabe...
    Antes que eu pudesse terminar, um deles socou meu abdômen. Outro, me pegou pelo ombro e me jogou no chão, me fazendo rolar na grama. Em seguida, eles me cercaram e começaram a me chutar. Por todos os lados. Apenas me encolhi e desejei que acabasse logo.
    Depois de 5 minutos, eles pararam. Tudo começou a girar e eu apaguei de novo. Não demorou muito para Mary me acordar novamente.
-Não, não, não – ela dizia
-O que foi? – perguntei
-Você precisa tomar cuidado. Apesar de 90% dos mortos conseguirem a eternidade, ainda há 10% que acabam esvaziando seu estoque. E quando isso acontece, você perde sua segunda chance. Desaparece de vez. É por isso que todo mantém a paz. Se você perder mais 2 vidas, tudo acaba. De vez.
    Apenas fiquei quieto enquanto ouvia o sermão de Mary. Ela explicou que não posso ser inocente, pois muitas pessoas de mal caráter também vão para essa dimensão. Também explicou que não há céu ou inferno e por isso não há a divisão “bons/maus”.
-Tome cuidado. Entendeu? – ela explicou
-Vou tentar – respondi
    Mas fazer isso era mais difícil do que parecia. Eu não conseguia perceber quem eram os “Maus-caracteres”.  Talvez eu não conseguisse. Talvez eu não conseguisse a eternidade.
    Logo após o discurso de Mary, parei para descansar embaixo de uma árvore. Eu já não sentia mais a dor por causa da briga. Pelo menos essa dimensão tinha um lado bom.
    Encostei a cabeça na árvore e fechei os olhos, tentando dormir. Sempre dizem que os primeiros dias são os piores. O que não dizem é que em alguns casos, nenhum dia é bom.
    Antes que eu pudesse dormir, alguém me interrompeu.
-Olá
    Dei um pulo, assustado. Um senhor, de uns 50 ou 60 anos, se aproximou.
-Calma. Não precisa ter medo – ele disse
    Mesmo assim, mantive certa distância. Aqueles 5 homens também pareciam ser gente boa, mas eu me enganei. Aparências enganam às vezes.
-Notei que é novo. Diga seu nome – ele disse
-Não sei com certeza – respondi – Acho que não sou muito bom com nomes. Não lembro nem mesmo o meu!
-Bom, o meu é Jack Williams – disse o senhor
-Prazer, Jack. Ah, lembrei! Sou Matheus!
    Nos cumprimentamos com um aperto de mão.
-Poderia me mostrar o lugar e explicar como funcionam as coisas por aqui? – perguntei
-Claro! Venha comigo! – disse Jack
    Subimos um pequeno morro. Do outro lado do morro pude ver várias moradias simples, como cabanas.
-Todos nós moramos naquele tipo de casas. Você irá morar numa delas em breve – ele disse
-Que... legal – eu disse, confuso
    Em meio às pessoas, seres encapuzados e sombrios vagavam pelos cantos. Não pude deixar de notar que aquilo era bem sinistro.
-O que são aquelas coisas? – perguntei
-São os guardiões – Jack respondeu – São eles que mantêm a ordem. Aliás, já puniram seus agressores
    Jack sinalizou para que eu o seguisse. Ele me guiou até uma das cabanas vazias, com uma cama simples e sem nenhum outro adereço.
-Pronto. Você irá morar aqui daqui pra frente – ele disse
-Ok, obrigado
    Me sentei na cama. Tentei visualizar a suposta vida que Mary me contou, mas não consegui. Aquilo estava ficando distante para mim. Os supostos amigos e namorada eram apenas nomes para mim. Nomes que eu já havia esquecido.
    Minutos depois, uma mulher apareceu na porta da minha cabana.
-Oi! Sou sua vizinha, como vai? Soube que você é novo – ela disse
-É, sou sim. Meu nome é Matheus
-Amanda. Amanda Learth
-Prazer, Amanda. É bom já estar fazendo amizades – eu disse, apertando sua mão
-Moro aqui do lado com minha irmã. Qualquer coisa, é só falar com a gente
    Depois disso, fiquei sozinho em minha cabana e resolvi dormir.
***
    No dia seguinte, fui acordado de maneira agressiva. Três guardiões entraram em minha cabana e me imobilizaram.
-Ei, ei, o que houve? – eu disse, confuso
-Você será punido pela morte de Susan Learth, irmã de Amanda Learth

ENCERRAMENTO DO ATO I

2 comentários: