domingo, 29 de abril de 2012

43- Bonnie e Clyde

PDV do Lucas

    O dia estava ensolarado, típico de Los Angeles. Mesmo assim, eu estava dentro de casa, lavando louça. Vida de gente rica não é tão fácil.
    Julie apareceu na porta da cozinha, vestindo uma camisola com estampa de onça.
-O que achou? Eu mesma que desenhei – ela disse
-Eu acho... que você fica melhor sem ela – eu disse, com um sorriso
    Fechei a torneira da pia e fui até Julie. Começamos a nos beijar e eu retirei a alça da sua camisola.
-Espera! E Jenny? – disse Julie, me interrompendo
-Ela está na escola, só vai chegar daqui a 2 horas – eu disse, enquanto beijava a nuca de Julie
    Assim que eu disse isso, ouvi a porta se abrir e Jenny entrar em casa. Rapidamente, Julie arrumou sua camisola e eu voltei para a louça.
-Cheguei! – disse Jenny – Hoje liberam a gente mais cedo
-É, nós vimos – disse Julie – Quer me ajudar com os outros vestidos? Você poderia pintar os desenhos, tem jeito pra designer
-Pode deixar – disse Jenny, acompanhando a mãe até o escritório
    Como eu disse, vida de gente rica não é tão fácil.
    Mais tarde, enquanto eu assistia TV, tocaram a campainha. Assim que atendi a porta, fiquei paralisado. Era como se um fantasma estivesse à minha frente.
-Alessandra? – eu disse, surpreso
-Olá, quanto tempo! – ela deu um sorriso
    Alessandra se aproximou para me abraçar, mas eu me afastei. Há 10 anos atrás, Alessandra e eu tivemos um caso. Ela havia se aproveitado de mim e, desde então, nunca mais eu a tinha visto. Até aquele momento.
-O que... O que faz aqui? – eu disse, ainda bastante confuso
-É que eu queria te apresentar uma pessoa – ela disse
    Um menino – que aparentava ter 10 anos – se juntou a ela. Arregalei os olhos ao vê-lo.
-Lucas, esse é Felipe, seu filho – disse Alessandra
***
    Sem saber o que fazer, falei para Alessandra que conversaríamos depois. Quando voltei para dentro de casa, Julie estava à minha espera.
-Quem era aquela? Era uma amiga? – ela perguntou
-Não exatamente. Mais do que isso – eu disse, evitando contato visual
-Uma namorada?
-Um caso. E, segundo ela... Desse “caso” surgiu um filho
     Esperei que Julie pulasse em cima de mim e começasse a me enforcar. Mas ela continuou calma. Assustadoramente calma.
-Não é verdade, é? – Julie perguntou
-Bem, o menino tem 10 anos... As datas batem
    Agora sim. Se estivéssemos em um desenho animado, ela estaria soltando fumaça pelos ouvidos. Ela me fuzilava com o olhar.
-Eu te contei sobre todos os meus ex. Você conhece todos eles. Mas você não me contou sobre essa aí – disse Julie – Você já sabia sobre esse filho?
-Não! Eu juro que não – respondi
-Então porque nunca me falou sobre ela? Sente algo por ela?
-É complicado
-Fora daqui. Não quero te ver nessa casa. Hoje não – Julie ordenou
***
     Fui até a casa de Matheus para pedir conselhos, mas ele estava fora do país, em turnê com os PsyckoManiacs. A opção restante era conversar com Allanis e Isa, que estavam em casa.
-Você nunca contou à Julie sobre essa mulher? Como você é burro! – Isa exclamou
-Que bom que o filho não é seu, né? – disse Allanis
-Bom... – tentei despistar
-Nãããão! – Allanis exclamou, surpresa –Achei que Julie tinha sido sua primeira
-O filho é mesmo seu? – Isa perguntou
-Eu... Eu não sei – respondi
    Allanis e Isa reviraram os olhos. Elas estavam certas: como fui burro!
    Antes que pudéssemos terminar a conversa, meu pager bipou. Eu precisava ir ao estúdio, para gravar um filme no qual eu estava participando. Mesmo sem vontade, fui para as gravações. Não havia nada pra fazer mesmo.
    Eu era o protagonista do filme, junto a Mark Stepp, um ator idoso, de uns 80 e poucos anos, muito famoso em Hollywood. Aquele era seu último filme, e a mídia estava dando bastante destaque ao fato de dois grandes atores de Hollywood estarem atuando juntos.
    Mark percebeu que eu estava distraído nas gravações e me chamou para conversar. Então, expliquei a ele o que estava acontecendo, e ele começou a contar uma história.
-Há muito tempo atrás, durante minha juventude – Mark começou a contar – a II Guerra Mundial estava atingindo seu auge, e muitos jovens estavam sendo recrutados pelo exército. Eu e John, meu melhor amigo nos alistamos e conseguimos entrar pra Guerra. Na Guerra, não há muitas pessoas em que você possa confiar. O único em quem eu confiava era John. Conforme a Guerra avançava, nossa amizade apenas se fortalecia. Até que um dia aquilo se tornou mais do que amizade.
    Mark parou por uns segundos, respirou fundo e continuou a história.
-Tínhamos ido à cabana de medicamentos para procurar por curativos – ele prosseguiu com a história – Mas antes de pegar os curativos... Eu o beijei. Ele se assustou de início, mas logo ele retribuiu. E foi ali que fizemos amor pela primeira vez. Continuamos com nosso relacionamento secreto até que John sugeriu contar para todos sobre a nossa relação. Eu recusei, afinal tínhamos uma reputação a manter. Nós brigamos. Brigamos feio. E, naquela noite, ele foi chamado para uma missão... e não voltou. E eu nem pude dizer um último “eu te amo”
    Fiquei mudo por um instante. Aquela realmente era uma história triste. A pessoa que ele amava partiu, sem ele sequer poder dizer adeus.
-Não me venha com “sinto muito”, me poupe disso – disse Mark – A questão é: você e Julie são o casal perfeito. Não deixe que nada abale isso. Agora vá lá e acabe com essa Alessandra. Você já fez o teste de DNA, certo?
    Mudo novamente. Como foi que esquecei de fazer o teste de DNA? Agradeci a Mark e liguei para Alessandra, pedindo que ela me encontrasse em um bar perto dali. Quando cheguei no bar, tocava “’03 Bonnie and Clyde” do Jay-Z com a Beyoncé.
-Lembra? Essa era a nossa música – disse Alessandra – Diziam que éramos uma dupla de “mal-feitores”
-Chega de conversa-fiada – eu disse, rispidamente – Eu quero fazer um teste de DNA. Se aquele garoto é mesmo meu filho, se você estiver falando a verdade, não vai se importar em fazer um mero teste, não é?
-Hã... Ok! Ok! Ele não é seu filho – ela cedeu – Felipe é meu sobrinho. Eu estava precisando de dinheiro e achei que pudesse dar certo
    Alessandra se aproximou, tentando me beijar, mas eu levantei da cadeira.
-Por favor, Lucas! Me diz o que se passa na sua cabeça – disse Alessandra
-Sabe o que se passa em minha cabeça? Quer mesmo saber? Lá vai: em minha cabeça, vejo você decapitada, enforcada, estripada, esquartejada. Vejo você, morta das piores maneiras possíveis. Vá pro inferno! Volte pro lugar de onde você veio
    E então, deixei o bar e voltei pra minha casa
***
    Quando cheguei em casa, toquei a campainha. Julie não me deixou entrar. Passei para a forma de água e rastejei por debaixo da porta.
-Eu falei pra você não entrar – Julie resmungou
-O filho não é meu. Alessandra estava mentindo para ganhar dinheiro. Ela veio do Brasil para Los Angeles por isso – eu disse
-O problema não era o filho. Você nunca me contou sobre essa Alessandra. Não devíamos guardar segredos. Esse foi um dos votos do nosso casamento – disse Julie
-Ok... Há 10 anos atrás, eu e Alessandra fomos a uma festa com um grupo da faculdade. Estudávamos juntos. Ela ficou bêbada, uma coisa levou a outra... Mas, na semana seguinte, descobri que era tudo uma aposta dela com as amigas
    Julie levou a mão à boca, surpresa com o rumo da história. Ela veio me abraçar, mas antes peguei um CD e coloquei no rádio. A música era “Te Lo Agradezco, Pero No”, do Alejandro Sanz com a Shakira. Dei a mão a Julie e começamos a dançar abraçados.
-Essa era a música que tocava quando nos conhecemos – sussurrei no ouvido de Julie enquanto dançávamos – Dizemos para o pessoal que nos conhecemos quando esbarramos nosso material. Que história besta! – Julie sorriu – Quando eu estava naquele bar, eu tinha acabado de descobrir sobre a aposta. E aí, você apareceu, naquele vestido vermelho, hm... Sabia que vermelho virou minha cor favorita? – brinquei – A primeira vez que entrei num bar. Eu não sabia que anjos iam a bares, mas você apareceu. Su cuerpo es perfecto. Sus ojos son perfectos. Todo en ti es perfecto. Tú eres el amor de mi vida
-Eu te amo – disse Julie
-Eu te amo mais – dei um sorriso
    O pior dia da minha vida fez com que eu lembrasse do melhor. Não são todos que encontram o amor da sua vida em um bar.

Fim do PDV do Lucas

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